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quinta-feira, 23 de abril de 2015

O vereador e o cachimbo de René

Isto não é um cachimbo

Existe diferença entre o que as coisas são e aquilo que elas representam. Era isto que o artista plástico René Magritte (1898-1967) quis dizer com sua série de pinturas intitulada A Traição das Imagens, concebidas entre 1928 e 1929, onde quis mostrar o papel da arte e não ser um contrassenso. A mais famosa das imagens trás um cachimbo e uma legenda em francês que diz: “Ceci n’est pás une Pipe”, que em bom Português significa “isto não é um cachimbo”.
A imagem e sua legenda controversa causou frenesi nos colecionadores e críticos de arte da época. Que coisa mais nonsense dizer que um cachimbo não é um cachimbo, era a idéia que corria nas rodas de conversa. Mas, Magritte estava certo em sua intenção e sua concepção: Ninguém pode fumar um quadro. Qualquer pessoa pode fumar um cachimbo mas não um cachimbo pintado na tela. No fim das contas, o que o artista belga queria dizer é que aquilo era uma imagem de um cachimbo e não um cachimbo.
Voltando do trabalho, pegando carona em um caminhão eu ouvia a rádio Jacobina FM, e o locutor entrevistava um vereador que protestava contra a não aprovação de um projeto que visava presentear os munícipes com as escrituras de suas casas e apelavam que os edis que se colocaram contra a medida ligassem para se justificar. Um deles, vulgo Rony do Junco (PT) ligou e justificou sua decisão e dos colegas, que na verdade se colocaram contra o endividamento do município para tocar tal projeto. Em certo momento da ligação, vereador e locutor entabularam uma discussão sobre a reputação do PT – agremiação partidária do edil – e na hora o cachimbo de René se desenhou na minha mente.
O vereador afirmava que o Partido dos Trabalhadores é inocente de toda a lama que protagoniza de 2005 pra cá. Com dois tesoureiros presos, outros membros da alta cúpula na mesma situação e seus principais ídolos sendo alvos de críticas e protestos, é difícil acreditar nessa história pra boi dormir. O edil justificou sua defesa da mesma maneira que grande fatia dos militantes do PT vem fazendo, a de que o partido está limpando a casa, que está prendendo os criminosos que estão sendo investigados por corrupção. Ponto pra eles, mas isso também prova que existem ladrões dentro do partido e não tira o rótulo de um dos partidos mais corruptos da história. Quanto a afirmação de que está limpando a casa, concordo, mas não parabenizo, pois não fazem nada mais que a obrigação. Sujou, limpe. E não me venham com a conversa de que “o inferno são os outros”, e que foi o PSDB o causador de tudo. O tucano é tão cobra criada quanto a estrela vermelha e cada um criaram seus escândalos e ladrões à própria imagem e semelhança.
A oratória de Rony do Junco resumiu-se em afirmar que todo mundo algum dia confiou em alguém que veio a trair-lhe, que o partido passou por isso e que as pessoas são culpadas, o partido, não. Seguindo um raciocino lógico, ele está certo, mas é diferente do problema do quadro de Magritte: um quadro é feito de tinta e tela, um partido é feito de pessoas. Vereador, sua retórica foi fraca
Mas essa é a arte de alguns políticos, a de fazer a coisa na sua cara e negar terem feito, tal como a criança travessa e mentirosa que mesmo tendo a boca e mãos sujas de migalhas negam para a mãe que comeram o biscoito: não fui eu mamãe, foram minhas mãos e minha boca. Estamos vendo o país afundado numa crise financeira que ainda se inicia e ainda assim vemos propagandas cara-de-pau de que tudo está indo bem. Estamos vendo o rombo na Petrobrás crescer a cada dia e ainda temos que encarar fanáticos postarem fotos e links que afirmam que a empresa está crescendo.
Anos atrás alguém disse que não estamos diante de uma crise e sim de uma marolinha. Ao olhar para o quadro de Magritte, você não vê um cachimbo e sim a representação de um. Fato. Mas, olhar para um partido que precisa prender seus dirigentes e dizer que o mesmo não tem nada com isso e não sabia de nada é tentar fazer o povo de besta.
Mas o pior, é que na maioria das vezes funciona.

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