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sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Dona Iracema, minha avó


Vó Iracema
Eu era pequeno e a data era alguma perdida entre 1990 e 1991, creio que fevereiro. Noite. Íamos voltando de um culto na Igreja Presbiteriana de Várzea do Poço, rumo à Fazenda Belo Horizonte, sublime berço e santuário da família. Não lembro exatamente quais eram todas as pessoas no grupo, tenho certeza apenas de minha mãe, eu e uma senhora idosa, baixinha e gordinha que levava um toco de vela entre os dedos iluminando o caminho. Minha avó, Iracema Pereira Rios, mãe de meu pai. Recordo dessa cena com um riso nos lábios. Quando já não podia com a cera quente lhe queimando os dedos, ela colocou o toco de vela no chão. No dia seguinte, a resenha era que minha tia Iradã havia se assustado com a luminosidade.
No dia 5 de agosto, foi o aniversário dela e eu estava planejando escrever algo, mas alguma ocupação ou simplesmente a minha lerdeza me fizeram esquecer. Agora, enquanto varo a madrugada insone, me peguei pensando nela e no quão pouco a tive comigo. No dia 5 de maio, completaram-se vinte e três anos que ela se foi, e eu só tinha sete anos. Alguns de meus primos nem se lembram dela e os mais novos nem sequer a conheceram.
Sei pouco sobre ela. Sei que teve duas irmãs, que não conheceu o pai e que perdeu a mãe muito cedo. Era auxiliar de serviços gerais, uma excelente serva de Deus e uma contralto sublime. Tenho poucas lembranças e talvez por isso a saudade não seja tão intensa como eu desejava que fosse. Certa manhã, ou tarde, não importa, meu tio Elson passou em nossa casa e apanhou minha mãe, irmãs e eu e nos levou a Várzea do Poço. Eu fiquei eufórico, pois sempre amei aquele lugar, em especial a fazenda. Quando estávamos já na cidade e eu falei que queria ver meu avô e avó, passei a entender o porquê de meu pai andar tão ausente naqueles dias, minha mãe estava enxugando algumas lágrimas e me disse: "Sua avó já está com Deus".
Sim, minha avó havia morrido naquele mesmo dia e eu me lembro de tudo o que ocorreu naquele dia, noite e no dia seguinte.Velório, culto fúnebre, enterro. Meu pai e tios chorando ao ouvirem o sistema de auto falante anunciar o enterro, meu primo Igor chorando copiosamente e eu ainda novo demais para entender o tamanho da perda. Até fiz o povo rir quando me levantei de madrugada, completamente atordoado e calçado com os sapatos de minha tia Eugênia. Já ouvi meu pai contar inúmeras vezes, de como minha avó o havia escolhido naturalmente para ser seu cuidador em seus últimos dias, para lhe alimentar, cuidar, pentear e de como ela deu seu último suspiro em seus braços, quando ele a mudava de lado na cama.
Lembro do carinho com que ela me tratava, é doce lembrar isso. Mas a maior saudade é daquilo que não vivi, a maior dor é a de ter perdido o que nem me chegou as mãos. Pois fico pensando como seria se ainda hoje a tivesse. Como seria chegar lá e pedir-lhe a bênção, segurar suas grandes mãos, beijar seu rosto, afagar seus cabelos negros, chama-lá de vó, abraçá-la. Fico pensando como eu me sentiria feliz em ter lhe apresentado minha filha ainda bebê, e ter fotos dela ao seu colo. Mas isso me foi tirado, e tão cedo. Eu tinha a idade que minha menina tem hoje. Apenas uma criança, carente de razão e sem consciência total da joia que perdia. Sem nenhuma ideia do futuro inteiro obliterado naqueles momentos. Enquanto termino este texto em lágrimas, sinto pulsar no peito o amor que ainda tenho guardado para ela todos esses anos.

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