Por: Onne Leoni
Seis da manhã. Acordo
depois do despertador tocar por meia hora seguida.
Manhã cinza. Não faz frio. Lavo o rosto e não
penteio o cabelo. Faz falta arrumar cabelo que já se enrola por detrás das
orelhas implorando pra ser cortado.
Corta-te el pelo Leonis! Me dizia companheiros
da faculdade, a moca da portaria, a senhora que cuida da casa, o senhor da
biblioteca, que arranhava o português e que sempre era simpático. – Ou quase
sempre- Outras vezes não me dizia bom dia, e eu ate ficava feliz, por que assim
me poupava das suas largas historias de viagens pelo Brasil. Não era por
antipatia, mas horários eram curtos e eu soh queria estudar.
Cortar o cabelo para mim significava estar em
paz, sem ninguém pra me dizer corta-te el pelo Leonis! Corta-te el pelo!. So
que não era bem assim. No dia seguinte ao cabelereiro, os comentários seguiam.
Que bem voce esta. Que cambio de look. Esta mais
jovem... ou Por que cortou o cabelo?? Ficava mais bonito com teu look anterior.
(esse ultimo me disse a moca da portaria que há dois dias atrás me dizia -
Cortate el pelo Leonis). E nessa hora eu queria lhe dizer - chupa-me um huevo.
Mas prezo pelos bons modos...
E de todos modos... Quem não quer um elogio?
Mas meu problema nesse sábado não era exatamente
el pelo, o cabelo por cortar era apenas o resultado da minha falta de tempo ou
da minha incapacidade de planejar o meu tempo. Eu estou a menos de um mês do
meu ultimo exame do ano e dos recuperatórios que estão por vir. Tenho uma aula
particular de histologia. Combinei com a professora ontem a noite. Chegaria as
sete da manhã no seu apartamento, teria que ligar para avisar minha chegada, já
que dona da residência que ela alugava não suporta escutar a campainha tocar.
Um problema. Meu celular foi roubado numa destas noites quando voltava da aula,
um mês depois da compra, após um ano de abstinência desta tecnologia. Mas
diziam todo tempo - Compra-te um celular Leonis! E eu me dei por vencido.
Comprei um celular e novamente estou sem ele. Eu prometi pra mi mesmo nunca
mais compraria outro, mas hoje estou revendo minha decisão...
Tomei o metrô que fica alguns passos da porta de
casa (eu sou feliz por isso). Ter o metrô na porta significa poupar tempo e
paciência. Linha roxa. metrô quase vazio (sou feliz mais uma vez). Dentro da
estação encontro um telefone, tento discar e um garoto que distribui jornal me
diz que o telefone não funciona. Saio da estação que fica do outro lado da
avenida 9 de julho, a mais larga do mundo - (e não eh exagero dos portenhos. Eu
vi. Eu li). Cruzei a avendia. A rua tambem estava quase vazia. Do outro lado
estava a casa da professora. Uma banca de jornal e uma voz martelando na minha
cabeça POR FAVOR, NAO TOQUE A CAMPAINHA. Tocar a campainha significaria ganhar
uma inimiga, perder minha professora e provavelmente perder o ano.
A banca de jornais estava aberta. Atende um
garoto de cabelo loiros, olhos claros e dentes amarelos.
Ola! Poderia me informar onde posso encontrar um
telefone? (perguntei no meu melhor espanhol). –Não tem nenhum aberto a essa
hora. Me respondeu. Lhe contestei – Não estou buscando um locutório, procuro um
telefone publico. – Não existe por aqui muchacho. Retiraram todos! Eu disse
obrigado e segui sem querer acreditar no que me disse o jornaleiro.
Andei algumas quadras na esperança de encontrar
um telefone publico, em pleno centro da cidade, não seria possível que não
exista nenhum fóssil de um destes aparatos. Isso era cruel pra mim. Não queria
acreditar. Caminhei, caminhei e por fim encontrei um kiosko, que eh um deste lugares
onde se vende cigarros, biscoitos, agua, doces e mais cigarros.
Atende uma garota bonita, pele bronzeada e olhos
verdes como duas lagoas com presença de algas. Tinha um telefone publico com
uma plaquinha que dizia . NO FUNCIONA. Perguntei a garota e me disse que não
tinha nenhum outro nesta rua, e me indicou voltar uma quadra, caminhar para
esquerda ate encontrar um kiosko que pelo que entendi funcionava 24hs.
Encontrei. Estava fechado, Queria cortar meus pulsos! De longe vi uma policial
numa esquina, identifiquei pela roupa laranja que usava. Caminhei ate ela. Era
uma senhora morena e gorda. Tinha um destes sorrisos que transforma qualquer
terca-feira cinzenta numa linda tarde de domingo. Não era bonita e não tinha
olhos verdes como a garota do kiosko, mas era especial. Era simpática. Me disse
que era quase impossível encontrar um telefone publico pela ruas de Buenos
Aires. Quebraram todos muchacho, não resiste nenhum. Eu disse pra ela que isso
não era exclusivo de Buenos Aires, mas de qualquer lugar em que exista a
espécie humana. Ela sorriu e me indicou um outro locutorio. Seu sorriso
continuava bonito, e eu queria continuar conversando com ela. Mas não estava
interessado em conversar sobre segurança publica as 6.30 da manhã, e ela
seguramente teria mais o que fazer. Eu fui onde me indicou ela, e estava
fechado. Encontrei um outro telefone que também não funcionava e não devolveu
minha moeda. Telefone corrupto! Fiquei revoltado e arranquei e joguei no lixo
um papelzinho que portava o telefone de uma garota de programa que jamais iria
receber uma chamada daquele telefone maldito. Segui e dei uma volta ate chegar
na mesma avenida que me atendeu a moca de olhos de lagoa com algas. Seguia e
quando estava a passos do lugar que atendia a muchacha me dei conta que ao lado
deste havia outro kiosko com um telefone publico azul e verde reluzente
(encontrei um oásis no deserto). Mas quando pensei o quanto a garota me fez
caminhar quando me disse que na avenida não havia nenhum outro telefone
publico, quando o bendito telefone estava ali do seu lado compartindo o mesmo
ar... mais uma vez quis cortar os pulsos – mas desta vez os pulsos dela.
Disquei e o contestador me disse que aquele
numero não poderia receber chamadas. Disquei outra vez. Igual. Então lembrei
que neste pais os celulares pagam para receber chamadas de um telefone publico,
ainda que a chamada não seja a cobrar (afinal ninguém sabe como se faz uma
chamada a cobrar por aqui, e me sinto um infeliz por isso). A professora estava
sem credito! Estava perdido, voltei pela mesma avenida que se chama Belgrano
(olhando pra frente pra não ter quer ver, a cara da chica do quiosko) passei em
frente a casa da professora e nesse momento o que mais queria era tocar sua
campainha 3x e sair correndo. Somente desta maneira me vingaria dela (por estar
com o celular sem credito), da dona do apartamento (por ser tao amarga) , e de
quebra ainda seria uma forma de comemorar o dia das crianças. Mas não o fiz.
Linha roxa. O metrô já não estava tao vazio. As
pessoas estavam algo feliz. Um garoto alto e magro tocava flauta. Fazia um
bonito som. Eu não lhe dei nenhum moeda, mas queria lhe dizer que caso quisesse
uma poderia ir buscar no telefone que me havia subtraído. Estava amargo como a
senhora do apartamento.
Chego em casa, me deito, leio algo, fico
tranquilo, e penso em como comprar um destes celulares modernos.
Bueno, me voy cortar el pelo!!
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