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quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

O dia em que salvei a pátria

Todo lugar tem seus habitantes pitorescos e São José do Jacuípe não faria aos tais a desfeita de não tê-los. Pois bem. Há por aqui um senhor que não goza de perfeito juízo, e não sei por qual razão, ele é conhecido pela alcunha de China. Eu jamais procurei saber seu nome de batizado para não perder a magia de tudo e contento-me com seu nome de guerra, pois de guerra ele deve entender muito bem.
Não há em meu poder informações que datem o período, mas, por informações que me foram passadas por familiares, sei que o vulgo serviu nas fileiras do Exército Brasileiro na cidade do Rio de Janeiro. E após algum problema que lhe revirou a cabeça, China veio embora a pé para sua terra natal, São José do Jacuípe. Uma de suas irmãs – que foi minha professora – disse-me certa vez que ele chegou munido de vasta cabeleira e avolumada barba, assim no feitio de profeta amalgamado com Machado de Assis.
Entre seus hábitos peculiares estava o de subir em bancos e canteiros de praças para fazer discursos inflamados sobre guerras, conspirações e ataques ao governo. Assisti a muitas dessas declamações em meus anos adolescentes. Mas deixemos de tanto introito para enfim penetrar os umbrais de nossa história, que digo assim de passagem, fosse algo sério, teria feito com que o nobre China e este simplório escritor tivessem entrado para os anais da história brasileira com direito a feriado em nossa homenagem.
Corria o ano de 2004, eu havia tentado montar uma escola de informática, e um dia, em meu humilde e minimalista escritório dedicava tempo vadio ao expediente de jogos digitais. Então, surge a figura inconfundível de China e após bater continência para mim, senta-se ao meu lado e começa a citar uma lista de patentes e comandantes seguidos de códigos militares do tipo “Tango”, “Bravo” e outros.
- Eu sei o que você está fazendo ai – disse-me apontando para a tela do computador – Você está rastreando.
Fiquei um pouco perturbado no momento, pois não sabia o que fazer para lidar com aquela conversa onde eu só estava ouvindo. Foi aí que ele sacou um pedaço de papel pautado e me entregou. Ali estava escrito uma série de números e aquelas enormes siglas militares. Depois de um minuto observando o papel, recebi do distinto um pedido:
- Rastreie isso aí, por favor.
Resolvi entrar na onda dele. Coloquei o papel sobre o teclado e abri o bloco de notas. Digitei sequencias numéricas misturadas a letras, fechei e abri janelas, abri imagens, arquivos, fiz aparecer barras de processamento tendo sempre uma expressão grave no rosto. Depois de cinco minutos nessa tarefa, passei-lhe o papel.
- Pronto!
- Missão cumprida? – quis saber ele.
- Missão cumprida.
China levantou-se me olhando estoicamente, bateu continência e saiu após dizer:

- Salvamos a pátria!

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