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terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

Hoje não tem marmelada: Adeus Carlito

Carlito e Pablo Rios em Salvador-BA

Era a véspera do fim do mundo: 20 de dezembro de 2012. Eu estava em um hotel, antecipando a emoção de tomar posse como membro titular do Colegiado Setorial de Literatura da Bahia no dia seguinte. Quase dez da noite chegam meus colegas de quarto, entre ele um senhor baixinho, troncudo, grisalho e sorridente que perguntou de que colegiado eu era.
- Literatura - respondi - E o senhor?
- Circo.
- Muito tempo de picadeiro?
- Só uns quarenta anos.
Ante meu olhar de admiração, ele continuou:
- Prazer. Carlito. Palhaço. Fui pai aos 13 e avô aos 28.
Dessa apresentação inusitada em diante não nos separamos mais até o fim do evento. Piadas, causos, risadas (isso ele me provocava sem o mínimo esforço) em todas as vezes que nos encontramos. Ele me pirraçava, ou pelo achava que conseguia ao dizer que sou do Cuscuz. Grande Carlito! Esteve por aqui muitas vezes com seu circo e de passagem para ver amigos (incontáveis). Admiradores? Infinitos.
A primeira vez que planejamos uma oficina circense em São José do Jacuípe, foi no nosso segundo encontro, no terceiro, enquanto jantávamos carne de sol com pirão de leite, ele me falou que se o organizador fosse eu, viria de graça, mas que teríamos que realizar mais pra frente, pois andava muito ocupado, sendo sempre requisitado na região sisaleira para trabalhar com o que mais sabia fazer: arte.
Lembro-me quando eu ganhava alguns livros de colegas escritores, e alguns vinham repetidos, ele me "furtava" alguns (revistas também), para no encontro seguinte me dizer que não ficou com nada, distribuiu tudo. Um homem sem nada nas mãos. Na última vez que nos vimos, quase me mata de susto ao me cutucar as costas e gritar:
- Te peguei cabra safado!
Mesmo sem culpa me senti encurralado. Depois vi o franco e enorme sorriso de Carlito Sorriso que abria os braços para logo me espremer as costelas e dizer que estava com saudade. Saudade. Esta palavra que irá perdurar agora.
Carlito estava "dodói", eu não sabia. Seu coração não resistiu e parou. O velho palhaço estava cansado, não de sorrir e fazer sorrir, mas cansado. Cansado talvez de ser traído e apulhalado muitas vezes por pessoas próximas,  como ele mesmo me contou sem perder o humor, mas sabendo mostrar que palhaço também chora. Ele me contou que quase morreu várias vezes, por vários motivos, e até o imagino conseguindo passar a perna na morte com suas pataquadas. Mas ela venceu. O palhaço tirou a maquiagem pela última vez, hoje não tem marmelada e nem espetáculo. O picadeiro está vazio e não há quem possa ocupar o seu lugar.
Sinto-me sem chão. Não pude me despedir. Queria mais um milhão de anos militando pela cultura ao lado desse grande homem. Pô Carlito, a morte nunca vai combinar com você.

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