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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Poetapoeta - Entrevista com Valdeck Almeida de Jesus


Valdeck no projeto ArtPoesia




O Cuscuzeiro entrevistou o poeta Valdeck Almeida de Jesus, natural de Jequié – BA. Funcionário Público, jornalista, promove e custeia todos os anos o prêmio que leva seu nome e revela novos poetas em todo o Brasil e partes do mundo. Com cerca de 15 livros publicados e inúmeras participações em antologias, Valdeck é uma voz a ser ouvida na arte da Bahia.
Com esta, o Cuscuzeiro inicia uma série de conversas com poetas baianos. Entrevistas que negam o convencional e focam em reflexões profundas do cotidiano, do trivial e do fantástico.




Cuscuzeiro - Valdeck, o que o mar significa para você?

Com a Produtora Cultural Viviane Vergasta Ramos e o ator Lázaro Ramos
Valdeck - O mar pra mim é a terra dos peixes, como descrevi num poema que ganhou uma premiação no programa Aprovado. É a estrada de água que liga as nações. Fonte de inspiração e de vida. Dele nasce nosso alimento, parte do ar que respiramos. É ele que controla a temperatura do planeta. O mar pra mim é uma mãe. Deveria ser chamada A-MAR, porque sem a-mar ninguém pode viver.
Água salgada, como o sangue de nosso corpo, o mar é o cérebro da Terra, o pulmão do mundo, o intestino, o estômago. O mar é tudo. E muito mais o homem vai descobrir sobre e sob o mar.

Cuscuzeiro -Sua forma de acreditar (ou não) no amor.

Valdeck - Amor é desprendimento. O amor contratado, seja de um garoto ou uma garota de programa, é um amor limitado. O amor de marido e mulher que sobre(vivem) por causa da dependência financeira, presos por outro contrato, o casamento, não me atrai em nada.
Já vivi alguns amores: minha mãe, que faleceu em 2000. Meus irmãos e irmãs, bem como sobrinhos e outros parentes desfrutam do meu amor, mesmo não revelado, denunciado. Quem ama não precisa nem dizer ao outro(a) sobre o sentimento. Quando se diz, já começa uma dependência ou a espera de uma aprovação, um reconhecimento; se se ama em silêncio, como o faz o universo em relação a nós, aí, sim, se revela o verdadeiro amor: aquele que não pede nada em troca.
Tem o amor da atração sexual, a dependência carnal, a atração animal e nem sempre controlável. Esse é um amor fugaz, dura enquanto dura, como disse o poeta.

Cuscuzeiro - O que é o sofrimento?

Na bienal do Livro 2011
Valdeck - Sofrimento é não ter o que se deseja. Depois que se tem o que deseja, o sofrimento é outro. Sempre uma utopia, um desejo não realizado ou o medo de perder a realização para um ladrão de desejos. A vida humana é um sofrimento constante. Parafraseando Jorge Mautner, a vida é uma agonia interminável. Sofremos pelo frio, pelo calor, pela poeira, pela fome, pela barriga cheia, pelo desemprego, pelo emprego, se estamos a pé ou de carro, sofremos por ser brasileiros ou porque não somos brasileiros. Sofrimento é o que movimenta a vida. Sem essa agonia, todos seríamos dinossauros e morreríamos no primeiro choque de meteoro.

Cuscuzeiro - O melhor lugar para estar?

Valdeck - Atualmente, com tanta violência, é minha casa, trancada com grades. Eu não sofreria muito se fosse condenado a passar a vida numa prisão. Já vivo em uma faz muitos anos. Trabalho quase forçado, todos os dias tenho que sair da prisão e ir trabalhar. Sou vigiado por câmeras que registram minha chegada, permanência, saída e até quando entro e saio do sanitário. Não sou mais espontâneo. Todos os meus passos são de um ator: movimentos cadenciados, programados, pensados. Cada passo, cada levantar de braço, até o esboço de um sorriso é pensado, para ludibriar as câmeras. Mas certamente elas me pegam desprevenido em alguns momentos. Se eu suportasse a picada de insetos e o medo de animais carnívoros iria morar numa floresta. Talvez ali seja o melhor lugar para se estar.



Com Lázaro Ramos
Cuscuzeiro - A melhor forma de viver?

Valdeck - Irresponsavelmente. Eu sempre tive uma vida muito regrada, por falta de comida, de casa etc. Sempre tive que lutar, acordar cedo, sair pra trabalhar e voltar tarde a noite, dormir, para no dia seguinte continuar a penitência eterna. Em alguns momentos de liberdade eu falei o que quis, fiz o que quis, aprontei irresponsabilidades. Não matei ninguém, não usei drogas nem roubei nada de ninguém. Mas estes momentos em que que não estava amarrado por regras me deixaram saudades. Qualquer hora dessas vou sumir e aproveitar um pouco a vida, fora dessas leis e regras que só nos deixam infelizes.

Cuscuzeiro - A maneira mais bela de morrer?

Valdeck - Na hora que a morte chegar quero deixar muitos projetos pela metade. Não quero completar nada, passar anos me lastimando, sofrendo, para fazer tudo certinho. Quero morrer dormindo ou de morte instantânea. Morrer não faz diferença. O problema é sofrer, ficar definhando, consciente, esperando a hora chegar. A forma mais bela de morrer é não sentir dor nem remorso. Que seja rápida como um raio.

Cuscuzeiro - Há uma maneira correta de amar?

Valdeck - Amar corretamente? Amar é amar, não tem explicação.

Cuscuzeiro - Por que escrever?

Valdeck - Para desabafar, vomitar no papel ou na tela de um computador tudo o que não tenho coragem de vomitar na cara das pessoas. Escrever é, também, uma forma de viver vidas paralelas, fingir, mentir, revelar verdades, inventar coisas, pessoas, sentimentos. Viver sem escrever – ou sem praticar outra arte – seria uma vida árida, vegetativa.

Com o ator Luiz Miranda
Cuscuzeiro - O que pensa do que os outros pensam sobre você?

Valdeck -Enquanto não me bater, não me importo para o que pensam de mim. Se falam por debaixo do pano, se fazem fofoca, comentam, falam mal, mas não me dizem diretamente, estão perdendo tempo e se envenenando. Nunca perdi uma noite de sono imaginando o que pensam ou falam de mim. Tenho coisas mais importantes para fazer.

Cuscuzeiro - O Valdeck diria de Valdeck?

Valdeck - Viva a sua vida e siga em frente. Quem quiser que te acompanhe.


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