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Pablo Rios, escritor |
Quando eu era pequeno, gostava de olhar um livreto verde que ficava nas estantes das escolas. Nele havia um pouco da história do país, seus símbolos, hinos e uma galeria com fotos e micro biografias de todos os Presidentes da República. Na verdade ia de Marechal Deodoro a Itamar Franco. Em minha tenra inocência eu lia e relia os currículos dos Chefes de Estado até gostava da cara de alguns, de outros menos e não sabia nada sobre aqueles sujeitos austeros, com rostos sérios e ares de imponência olímpica.
Os anos se passam e em minha diversão favorita - absorver informação - começo a reconhecer uma expressão que com o passar dos anos me assustava mais e mais: Ditadura militar. Foi apenas nos filmes, documentários e reportagens que eu passei a ter conhecimento sobre a mancha histórica do meu país e as consequências delas. Nesse tempo cresceu também meu nojo por toda forma de opressão e censura.
Uma olhadinha no passado e vemos como tudo começou:
Fidel Castro e Che Guevara lideram a revolução cubana tomando o poder da ilha caribenha em 1961. No mesmo ano, o Presidente Jânio Quadros condecora o "Che" com mais alta honraria nacional, a ordem do Cruzeiro do Sul. Os EUA, doídos com isso e já praticando o hediondo embargo comercial a Cuba ficaram com as orelhas em pé, pois na sua famigerada corrida pela vitória da guerra fria, não tencionava permitir que país algum adentrasse no comunismo. Em 1964, o governo de "Jango" é visto como ameaça pelos EUA que insuflam as forças armadas contra o então Presidente. Boato ou não, foram espalhadas notícias de que Cuba e URSS estavam financiando guerrilhas civis no Brasil. Então, apelidando o golpe de "contrarrevolução" e com apoio logístico e militar dos EUA - que não perdem a chance de entrarem em briga alheia e não podiam permitir mais um grande país entrar no Comunismo - as forças revolucionárias do Marechal Castelo Branco e do Marechal Costa e Silva depõem João Goulart e tomam o poder, justificando seu golpe com a desculpa de evitar uma ameaça comunista no Brasil.

Seguem-se então os piores 21 anos da história do país. Partidos são extintos, direito a voto e liberdade de expressão são negados, imprensa censurada, massacre de tribos indígenas, torturas, sequestros, assassinatos, estupros e tantas atrocidades jogadas para baixo do tapete pela Lei da Anistia. Tudo isso com o cego apoio da Globo e dos EUA, que hoje bancar os cordeiros e vestem a fantasia de heróis cada vez que alguma ideia de guerra nasce.
Em sua luta intervencionista pelo que chamavam de "mundo livre", os americanos ajudaram a depor um presidente democraticamente eleito, para coroar a nossa história com mais podre das cerejas. Pelo capricho dos americanos, muita gente foi exilada, torturada e morta pelo golpe que se dizia a solução para os problemas do país.
O resultado foi a monstruosa inflação, a dependência externa e quase eterna de capital, fim dos partidos e sindicatos, repressão da artes e das ideias, pessoas penduradas em pau de arara, amarradas a cadeiras elétricas, humilhadas, feridas. Plantou-se golpe e colheu-se mortes. Herzog, Nilda, Marighella. Vinte e um anos de prisão ideologia, repressão, medo, incerteza até que a liberdade pudesse ser restaurada. O pesadelo acabou, a mancha histórica se desbota e tudo muda, mudam-se também os discursos: a Globo passa a falar contra a ditadura, os EUA decidem se tornar amiguinhos dos presidentes eleitos pelo povo e os políticos que levaram os milicos no colo agora pedem colo aos eleitores.
Hoje, temos a ameaça de um novo golpe, que vem sendo infiltrado em alguns grupos, assim como foi a 50 anos. Militares, canais de TV e partidos desdenhosos tentam enganar o povo de que uma "intervenção militar" seria o melhor caminho. Pobres almas que seriam engolidas pelos seus "salvadores" caso essa sandice viesse a ocorrer. A mancha encardida da tirania ainda pode ser vista e sentida. Sinceramente não quero precisar viver o que apenas li e ouvi contar. Mas se isso acontecer, estarei disposto a lutar pela minha liberdade e pela liberdade dos meus. O dia 01 de abril de 1964, 50 anos do golpe militar é uma data não para ser memorável, para se lembrar e cuspir no chão.