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domingo, 16 de março de 2014

Poetapoeta: Com Jorge Carrano



Jorge Carrano é publicitário por formação, foi militante da política e dos festivais estudantis de música. Membro do Colegiado Setorial de Literatura da Bahia e do Conselho Estadual de Cultura, é conhecido por ter opiniões fortes e afiadas. Com lançamentos de livros previstos ainda para 2014, Carrano é alguém com que vale a pena covensar. Em uma tarde chuvosa, diante de uma janela de um casarão histórico no Pelourinho, em Salvador onde funciona o Centro de Formação em Arte da Bahia, Carrano concedeu uma espirituosa entrevista ao Cuscuzeiro, tendo em sua mão uma maçã que teimava em não morder.

Pablo Rios - Por que escrever sobre a mulher?
Jorge Carrano - Porque se eu escrevesse sobre o homem era óbvio demais. Eu tinha que buscar uma coisa que de repente me instigasse a procurar mais e mais e mais, e quanto mais eu procurava mais tinha pra procurar, é um universo infinito. É um mosaico.

PR - E qual a sua definição sentimental sobre a mulher?
JC - Rapaz, não tem coisa melhor no mundo não (risos). E se juntar com poesia fica bom, porque o eu-lírico feminino, quando o poeta escreve na primeira pessoa do feminino, a entrega dele é dupla, porque ele tem a visão do homem meio que, não embaçada, mas substituída pela visão feminina da mulher que ele tem dentro dele. É extremamente gostoso. É meio lésbico escrever no eu-lírico feminino, sobre mulher.
"Um provocador por excelência".

PR - Na sua visão a mulher é o que falta no homem?
JC - Não tenha dúvida disso, pois isso aí devia ser histórico desde que o mundo é mundo. Lá na Pré História a mulher era quem devia dar uma porrada na cabeça do homem e puxar ele pelos cabelos.

PR - A sua ideia sobre a morte:
JC - Eu recentemente passei por uma situação de morte muito peculiar que foi a minha mãe. E ela me criou, e nós tínhamos assim, papos fantásticos sobre morte. E Dona Maricotinha na véspera do falecimento dela, que foi por motivos clínicos, cirúrgicos,ela disse uma frase que eu nunca mais vou me esquecer: "Meu filho, morte deve ser uma coisa boa, porque senão ninguém morria".

PR - Qual a melhor forma de viver?
JC - Livre. Fazendo o que você gosta,o que te dê prazer, mesmo que não te renda o que você espera. Mas se você se propuser a se programar na sua vida, isso eu digo pros mais novos: se programar na sua vida para fazer o que não gosta antes, pra passar o resto da vida fazendo o que gosta depois, é fantástico.

PR - O que você encontra na poesia?
JC - Uma realização imensa. Tanto é uma realização imensa que todos os meus livros que eu fiz e pretendo fazer, eu tatuei no meu corpo.

PR - O maior dos seus medos:
JC - Meu maior medo? É não ter o entendimento de mim mesmo. E a solidão. É o único medo humano que ninguém explicita, ninguém diz que tem. O ser humano tem medo da solidão, de estar só, de ficar só. Vamos acabar com essa semântica de "ah eu não sou só, eu estou só". Solidão é solidão, e o maior medo do ser humano é a solidão sim, então deixa de hipocrisia. Faz parte de minhas idiossincrasias ter um pavor imenso da solidão. Mesmo que eu possa me fazer companhia, mas só, eu não fico.

PR -Uma saudade.
JC - Pôrra. Minha mãe. Minha mãe mesmo, não minha mãe, mas um tempo que ficou pra trás antes de eu passar a ser a cabeça dessa história toda. Porque antes era o meu pai que era a cabeça, depois minha mãe que era a cabeça ou os dois eram a cabeça e eu era muito tranquilo, filho ali tocando a vida. Agora eu sou a cabeça moral, psicológica, sentimental dessa família toda. Eu sinto muita saudade por exemplo, em relação à Bahia, da Kombi da primavera, eu sinto saudade do ônibus misto que me levava do colégio ao Chame Chame que era onde eu morava, eu sinto saudade do Campo da Graça,eu sinto saudade de subir em árvore, hoje em dia se eu subir numa árvore eu vou cair de lá feito uma jaca. Eu sinto saudade no Rio de Janeiro, quando eu morei no Rio de Janeiro, saudade do cachorro-quente do Genial na praia de Copacabana. Saudades que ficaram ao longo da história, saudades da história, saudades da memória é uma grande saudade. Mas minha mãe passa por isso tudo.

PR - Algo que ainda falta ser feito:
JC - Eu terminei o livro a Centaura e a Esfinge com um texto meu que diz o seguinte: Que o amor nunca seja pleno, que haja sempre algo mais a sr conquistado. Que a vida nunca seja pleno, que haja sempre algo mais a sr conquistado.

PR - Jorge Carrano por Jorge Carrano:
JC - Um provocador. Um provocador por excelência. Um provocador assim na acepção da palavra: ranzinza, neurastênico, às vezes insuportável, amigo, mas um provocador até dos amigos, principalmente dos amigos por que senão não tem graça. Porque amigo não bate. (risos)


Confira aqui a resenha de Pablo Rios sobre o livro A Centaura e a Esfinge, de Jorge Carrano.

2 comentários:

Unknown disse...

Bela entrevista. Belas respostas. Feio o entrevistado. Por fora, claro, pois pra ler seu interior é preciso folhear seus livros e eu ainda não fiz isso.Como disse certo poeta, que desconheço: "Pessoas são como livros....Precisam se lidas. Não pare nas capas. Há muita riqueza escondia em capas não atraentes..." Frase de capa do facebbok de Mel Serra revisora de livros.. parece ser de Padre Fábio. Não tenho certeza

JOÃO EM DECOMPOSIÇÃO...

Valdeck Almeida de Jesus disse...

E acima de tudo, Jorge Carrano é honestíssimo quando fala de si, e não só nessas ocasiões. Quando o conheci, nos estranhamos várias vezes, pois ambos temos temperamentos explosivos. Ele, mais transparente, solta o verbo sem medo; eu, mais contido, mas não menos difícil que ele. Com o passar do tempo e a insistência em trabalhar em projetos conjuntos, passamos a nos respeitar, entender nossas idiossincrasias (palavra que Carrano adora usar), e descobrimos que, apesar das diferenças, podemos construir e somar em prol da cultura e, em particular, da literatura.